sexta-feira, 4 de junho de 2010

NOS TEMPOS DO NÚMERO .../...BARRA B 1

As listas eram afixadas no Sky, Rádio Clube e CRM. As chamadas passavam também na Rádio local, várias vezes ao dia. A juventude ficava logo deprimida ao ouvir o nome e número do talão do recenseamento militar, seguido de barra bê um. - ...Desliga a merda do rádio, filhos da mãe, eles é que fazer a guerra e nós é que nos lixamos. Os filhos deles não vão para a guerra, estão todos fora do país e os que cá estão encaixam-se na "J" ou dão uma de jogar nos Dínamos.
Era assim, nos tempos de início da guerra, após a "Operação Carlota", dos anos 76/77 em diante. Todos tinham medo de ir para a guerra e ademais, as notícias que chegavam, tão só pelos arautos desertores, eram desoladoras. Não havia casernas nem cozinhas, dormia-se a boxeiro e comia-se da lata de hambúrguer, a unha, para de seguida a latinha ser promovida à caneca. E eram esses mesmos desertores, quem transportava o correio de pesar, cujo número assustador desencorajava a rapaziada. Não fossem eles, os ditos arautos desertores, hoje teríamos muitos mais daqueles pais, velhinhos, desamparados e sem pensão, a aguardar incessantemente pelo regresso adiado dos seus filhos, a que um dia rusgados e amarrados dois a dois pelas fraldas das suas camisas, evitando assim uma carga de porrada, quando não mesmo uma rajada, numa vã tentativa de fuga; viram-nos partir voluntariamente aos magotes, para lugares desconhecidos, atulhados em IFAs, com um regresso já a partida improvável. Outros pais há ainda, que por falta das notícias de pesar que ainda não chegaram, aguardam já adormecidos pelos filhos, como que por Dom Sebastião, numa das nossas manhãs de cacimbo lá no morro do Uche. Não querem acreditar terem ficado desamparados na sua velhice, nem que os seus filhos algum dia tenham sido repasto de milhafres. Aqueles meninos seus filhinhos, muitos deles retirados das escolas, que ainda ontem aguardavam pela última partida lá no quintalão do CRM ou do Campismo, lembrando amarguradamente os "Cakwenjjes de Angaria", que quando contratados a força, devidamente acorrentados e embebedados à ocanhome, aguardavam no quintalão do Santiago do Cuma, o embarque voluntário para as fazendas do Norte e Santomé, como cantou N'Duduma.
Depois, com a vinda da paz, vieram também os tais meninos que estavam fora, apareceram os da "J" e os ocultados pelos Dínamos, filhos dos que se diziam marxistas-Leninistas, vivendo hoje em luxuosas e soberbas mansões, ostentando as maiores e mais vergonhosas fortunas de origem duvidosa, jamais vistas em África. E, dos que sobraram da guerra, regressados à terra, sem estudos e sem profissão, como recompensa, muitos talvez tenham recebido apenas a parte de baixo da ponte e como estímulo de riqueza não mais que uma fábrica de sebo no colarinho. E agora? A reforma por quinze ou mais anos de serviço na guerra, obrigatoriamente correspondentes à trinta ou quarenta anos, que está difícil de sair; mas que provavelmente as folhas de remunerações dos antigos combatentes até estejam carregadas com nomes estranhos de quem nunca tenha saído debaixo da cama. Hoje, mudaram-se os tempos, mudaram-se os ventos e para se ir para a tropa só mesmo com uma grande cunha, e daquelas.
Pós escrito - Aos putos desta ínclita geração, que se lhes fale com verdade. Que assim seja!

1 comentário:

  1. Caro Tony, velho amigo e companheiro. Só lamento o atraso em conhecer o teu blogue. Crónicas de mestre da língua, com sabor à broa do teu vizinho da frente na Camunda. Também um grito de incontida revolta, contra o que está mal e à todos afecta. Mas igualmente e sobretudo um vagido de esperança, na dôr de parto, da nova ANGOLA que tu tanto amas e consegues esculpir com relevos singelos e assombrosamente lindos na senda dos grandes escritores benguelenses. E tu andaste muito tempo embarrado... É Hora Companheiro, Caminhemos Corajosamente
    Teu irmão
    Jaime Azulay

    ResponderEliminar